sábado, 4 de agosto de 2012

o grande ditador (the great ditactor, 1940)

Estamos inaugurando uma nova era no blog com este post. Deixaremos de nos resumir às críticas musicais (ou simplesmente críticas) e faremos também críticas do mundo do cinema. Particularmente falando, não sou assim tão entendido da Sétima Arte, mas certas obras me causaram impressões que, penso eu, seriam interessantes passar à frente - ninguém é dono da verdade, e este blog tem como um de seus fins a disseminação do conhecimento. O leitor, claro, tem todo o direito de ajudar a construir tal espaço como bem entender, desde que haja respeito à opinião alheia. Sem mais delongas, a crítica cinematográfica estreante do blog é a do filme O Grande Ditador (1940).

O Grande Ditador (originalmente The Great Ditactor) é um dos mais significativos longa-metragens do notável cineasta inglês Charles Spencer "Charlie" Chaplin. Chaplin se consagrou na história do cinema como um grande ator (na minha opinião, o maior de todos) devido a seus excepcionais trabalhos em filmes como Tempos Modernos (Modern Times, 1936), Luzes da Cidade (City Lights, 1931) e Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1925), todos no cinema mudo, onde seu personagem principal era um vagabundo de nome Carlitos. Com a iminente ameaça alemã, que crescia constantemente desde que o ditador Adolf Hitler assumiu seu cargo como presidente da república alemã, com a morte de Paul von Hindenburg, em 1934, Chaplin escreveu um trabalho com um cunho mais "humanitário", baseados nos acontecimentos da Europa no final da década de 1930, imediatamente antes do estopim da guerra, tudo na forma de uma sátira muito bem feita.

A história gira em torno do próprio Chaplin, que interpreta um cadete da infantaria do governo da Tomânia (nação fictícia que satiriza a Alemanha). Enquanto ele vai salvar um soldado chamado Schultz (interpretado por Reginald Gardiner), a aeronave que trazia os dois colide em uma árvore. Schultz se salva, mas Chaplin fica internado por vinte anos em um hospital, em coma e com uma completa amnésia. Depois de curado, ele volta a trabalhar em sua barbearia, que fica em um gueto judeu. A trama se desenvolve enquanto Adenoid Hynkel (interpretado também por Charlie Chaplin, em clara referência a Adolf Hitler) tenta conquistar a nação vizinha de Osterlich (sátira à Áustria), rivalizando com o ditador de Bactéria, Benzeno Napaloni (respectivamente, referindo-se à Itália e ao líder do regime fascista Benito Mussolini - Napaloni é interpretado por Jack Oakie) pela primazia na invasão.

É legal salientar três cenas clássicas no filme. A primeira delas é a cena clássica em que Hynkel brinca com um globo terrestre de plástico. Chaplin, com sua genialidade típica de metaforizar a realidade de sua sociedade, faz uma clara referência ao rumo que a ditadura do Reich estava tomando: Hitler estava sonhando em conquistar o mundo (como qualquer megalomaníaco com o poder em mãos o faria), mas sua fixação em mostrar a superioridade da raça ariana alemã acabou por destrui-lo. A música que toca ao fundo é parte da ópera Lohengrin, do alemão Richard Wagner.

Uma segunda cena, que me é particularmente muito tocante, é a que vem exatamente na sequência da cena clássica do globo. O barbeiro judeu está aparando a barba de um sujeito que mora no gueto, enquanto o rádio toca a clássica Hungarian Dance n° 5 (em G menor), composta por Johannes Brahms no século XIX. Nessa  cena, fica evidente a genialidade de Chaplin não só como diretor/roteirista, mas também como ator. Seus movimentos enquanto faz os cortes com a navalha seguem à risca a composição de Brahms, tornando a cena cômica mesmo sem uma palavra sequer ter sido dita.


A terceira e última cena que eu destaco, como não poderia deixar de ser, é o ápice do filme. O barbeiro judeu, que fora confundido com Hynkel em certo ponto do filme (para evitar spoilers, deixarei o motivo em aberto), faz o discurso final ao povo da Tomânia, informando sobre a invasão final a Osterlich. Embora seja altamente desprezível entre os cineastas que os atores olhem para a câmera durante a cena, para que o espectador esqueça o aspecto teatral da obra, Chaplin o faz - talvez justamente para que o público perceba o recado com maior lucidez. O discurso final de O Grande Ditador tomou ares de cena clássica do cinema mundial, e sem sombra de dúvidas merece estar entre as cenas mais memoráveis de todos os tempos.
O primeiro filme não-mudo de Chaplin transpôs a barreira do tempo e, apesar de já septuagenário, O Grande Ditador ainda soa incrivelmente atual. Embora o temor da guerra já tenha passado há algum tempo, vivemos em uma era onde a eficiência das máquinas e a velocidade da transmissão das informações por todo o mundo torna-nos escravos dos meios que nós mesmos criamos para nos libertar - um paradoxo que o filme expõe de forma brilhante em seu discurso final. Por esses e diversos outros motivos, O Grande Ditador emplacou seu lugar definitivo na galeria das grandes produções cinematográficas de todos os tempos.
O Grande Ditador (The Great Ditactor)
Duração: 124 minutos
Preto-e-branco
Gênero: Sátira / Comédia Dramática
Lançamento: 15 de outubro de 1940
Direção: Charlie Chaplin
Roteiro: Charlie Chaplin
Produção: Charlie Chaplin