sexta-feira, 22 de julho de 2016

1951: o dia em que o mundo se tornou alviverde

Uma parte da torcida não sabe, e os adversários fingem que não sabem. O Palmeiras é, sim, campeão mundial - mais que isso, o primeiro campeão mundial da história.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

todo jogo um 7x1 diferente

Dois anos não foram suficientes para curar a ressaca. Dois séculos não o serão. Aqueles 90 minutos no Mineirão jamais serão página virada para quem, como eu e você, o viu, in loco ou pela TV.

domingo, 3 de abril de 2016

iron maiden em são paulo - 26/03/2016

Prólogo

Durante o primeiro show da The Book of Souls Tour, em Fort Lauderdale (Flórida), um amigo que acompanhava comigo o livestream de um fã me perguntou:

- Você vai fazer um texto sobre a abertura da tour, né?

Eu já havia pensado nisso. Já o fiz aqui no blog, em 2013. O show de abertura é o ápice da tour, pra quem a vê de fora - e por isso mesmo, desta vez, eu não faria um post pra abertura. Porque, pela primeira vez, eu não seria parte de uma audiência passiva ao show, caçando livestreams e delirando em frente à tela do notebook. Eu estaria lá. E adiei esse texto, mesmo tendo visto ao menos um trecho de quase todos os shows da tour até aqui, porque eu estaria em São Paulo, último show da tour sul-americana.

Heaven Can Wait

Quarta-feira, 04 de novembro de 2015. Eram 23h50 quando entrei no site da Livepass para comprar o ingresso do show que o Iron Maiden daria em São Paulo, no último sábado, dia 26/03. Mesmo sendo palmeirense, seria a primeira vez que eu pisaria no Allianz Parque, casa do time alviverde - e com todo respeito à nação palmeirense, não consigo imaginar nenhum espetáculo que ultrapasse um show do Maiden e que pudesse ser realizado naquele gramado.

Foram praticamente 20 minutos dando refresh na página, antes e depois da meia-noite, hora em que os ingressos começariam a ser vendidos. O mesmo amigo que me perguntou sobre o texto, que já havia comprado o ingresso na pré-venda, também tentava da casa dele. A ansiedade só aumentou quando entrei na fila de espera, aguardando ser jogado pra dentro do site e finalmente fazer a compra. E consegui - no terceiro lote de ingressos, apenas 15 minutos depois da meia-noite, o que dá ideia da loucura que foi estar lá.

Vale lembrar que até hoje não consegui pagar o ingresso - nunca quis que meus pais pagassem meus ingressos pra show (na verdade acho que eles nem pagariam, de qualquer forma), mas como não tinha nenhuma fonte de grana à época, foi a alternativa que me restou. Fosse qualquer outra banda, eu teria deixado a oportunidade passar... mas depois de pelo menos duas tours que perdi a oportunidade de ver a Donzela (uma por grana, outra por estar fora do país), pra mim era agora ou nunca.

A sensação de ter conseguido, mesmo depois de quase cinco meses, é indescritível. Só quem foi a um show do Maiden tem a consciência de que, por mais que diversas outras bandas tenham shows maravilhosos, não há nenhum espetáculo na Terra que se iguale àquilo. Os dias posteriores àquele demoraram muito mais do que geralmente demorariam.

Remember Tomorrow

Quinta-feira, 24 de março de 2016. Ainda era meio-dia quando o banco me ligou trazendo as piores notícias possíveis: a conta que abri para receber uma bolsa da faculdade e cujo dinheiro seria gasto quase que exclusivamente no dia do show acabou entrando em algum processo burocrático que, pra ser sincero, nem mesmo eu entendi. E eu, que cogitava chegar em São Paulo ainda na sexta, para ver o pouso do Ed Force One (o avião gigante da banda, trazendo todo o staff e o equipamento do Maiden, do Anthrax e do Raven Age, as bandas de abertura da tour sul-americana), acabei tendo que desistir da ideia. E foi melhor assim: pude curtir o jogo da Seleção Brasileira contra a Celeste Olímpica, com dois tentos pra cada lado, com um amigo que, ao saber da minha situação, gentilmente me cedeu o dinheiro até que a situação com o banco se resolvesse.

Mas é óbvio que a situação de tensão só piorou com a ansiedade. No entanto, isso já não me tinha a menor importância: o dia que mais esperei em toda minha vida havia finalmente chegado.

1705, Francisco Matarazzo Avenue

O relógio estava para despertar às 5h, mesmo que eu tenha ido pra cama só às 1h30. Acordei 3h30 e fiquei na cama até o relógio tocar, querendo ao mesmo tempo que o relógio parasse, pra que eu dormisse decentemente, ou corresse, até a hora do show. Levantei, tomei café, um banho, escovei os dentes e fui de mala-e-cuia pra São Paulo, na esperança de pegar um dos primeiros lugares da fila.

Cheguei lá às 8h30. Imaginei que a fila fosse estar maior (soube de gente acampando lá desde quinta), mas ainda assim estava grande, e pelos meus cálculos eu ficaria bem próximo da grade. Acabou que não encontrei absolutamente nenhum dos amigos com os quais combinei, mas conheci muita gente legal na fila mesmo - os preconceituosos para com o metal não fazem ideia do quão sociáveis estes seres com camisetas pretas e calças jeans mesmo sob um sol saárico podem ser.

Presenciei algumas cenas bizarras, porém hilárias, como não poderia deixar de ser. Logo de cara, um motorista retardado deixou o retrovisor direito do carro num dos grandes cones de sinalização na rua. Passamos as três ou quatro horas pós-almoço (um lanche do Burger King, que tem uma loja bem ao lado da fila) com um cara, já bem chapado, gritando "Maiden!" ininterruptamente, enquanto uma reportagem do SBT entrevistou alguns dos primeiros da fila. Mas a cena mais hilária ficou por conta de uma senhora que passou abençoando os fãs da Donzela - devido ao The Number of the Beast, de 1982, o Maiden ganhou fama de satanista entre muitas seitas evangélicas e cristãs. Alguns dos caras que estavam um pouco à minha frente chamaram-na para beber uma cerveja com eles - e ela aceitou!

Quando o relógio chegou às 16h, os portões finalmente se abriram. Minha primeira vez dentro do estádio do meu time de coração seria, literalmente, dentro do gramado de jogo - o palco foi montado no gol do lado do Shopping Bourbon, virado para o tobogã do antigo Palestra Itália, demolido em 2009 para a construção da moderníssima Allianz Arena. Naquela noite, seríamos 44 mil; gritando não por 11 atletas, mas por 6 senhores às margens da terceira idade.

The Raven Age

A primeira banda de abertura foi o Raven Age, jovens ingleses com um estilo mais voltado para o metalcore. Há de se enfatizar que um dos guitarristas, George, é filho do baixista e líder dos anfitriões da noite, Steve Harris. É bem verdade que a banda não faz meu estilo, mas também não deixou a desejar: os ingleses sentiram a energia do público paulistano e deram o seu melhor. Ótima banda, extremamente competente em sua proposta.


  1. Uprising
  2. Promised Land
  3. The Death March
  4. Eye Among the Blind
  5. The Mercyful One
  6. Salem's Fate
  7. Angel in Disgrace


Anthrax

Diferentemente do Raven Age, o Anthrax me é um velho conhecido. Assim como em 2013, quando o Slayer veio a São Paulo com a banda, o Maiden mais um vez aposta num dos dinossauros do thrash para sua turnê sul-americana. E eles não só não decepcionaram, como fizeram um show digno de frontline: na divulgação do recém-lançado For All Kings, conseguiram fazer uma mescla surpreendente entre os clássicos sacramentados de sua recheada discografia com as músicas do trabalho mais recente. Ênfase pro carisma da banda, desde o líder, o sempre sábio em suas declarações guitarrista Scott Ian, até o "novato" Jon Dette, que substitui o titular das baquetas Charlie Benante, mas que é um velho conhecido do fã do thrash. Há de se pontuar ainda as performances alucinadas (e alucinantes) de Joey Belladonna, que parece que embebeu sua voz em formol e alcança vocais dignos dos anos 1980, e de Frank Bello, o baixista - não sei como ele não quebrou o pescoço naquela quase uma hora de show. Ainda houve a participação do arroz-de-festa Andreas Kisser, eterno guitarrista do Sepultura, que tocou o clássico Indians em um medley com Refuse/Resist, um dos maiores sucessos da banda mineira.


  1. Caught in a Mosh
  2. Got the Time
  3. Antisocial
  4. Fight 'Em 'Til You Can't
  5. Evil Twin
  6. Medusa
  7. Breathing Lightning
  8. Indians (feat. Andreas Kisser) (medley w/ Sepultura's Refuse/Resist)


Doctor Doctor, please

O Maiden é uma banda de rituais. Um dos mais famosos diz respeito à abertura do show: como é clássico de qualquer banda, há uma sessão de discotecagem de bandas que influenciaram a banda do show, enquanto os roadies preparam o equipamento em seus últimos detalhes pra garantir a perfeição do show por vir. E enquanto rolava o clássico Speed King, dos britânicos do Deep Purple (provavelmente a maior influência do som do Maiden), o som foi interrompido para uma última música: o maior sucesso dos também britânicos do UFO, Doctor Doctor. O riff de introdução da música, composto pelo guitarrista prodígio Michael Schenker, hoje é sinônimo de que mais um show da Donzela está prestes a começar. E essa informação já foi suficiente para que uma legião de fãs, inclusive este que vos escreve, cair incontrolavelmente no choro. Foi ali que percebi que, finalmente, eu estava vivendo o maior espetáculo musical que existe em todo o mundo.

Iron Maiden gonna get you!

If Eternity Should Fail é uma das introduções mais marcantes da discografia da banda. Isso é perceptível pra qualquer um que tenha ouvido o The Book of Souls, último lançamento do sexteto. No entanto, diferentemente do que aconteceu com a também épica introdução de Satellite 15... The Final Frontier, do disco anterior, de 2010, ou mesmo a clássica Aces High, do petardo de 1984 Powerslave, não haviam playbacks: o vocalista Bruce Dickinson entrou caracterizado como um xamã maia, acendendo seu caldeirão enquanto entoava as duas primeiras estrofes da música:



Here is the soul of a man
Here in this place for the taking
Clothed in white, standing in the light
Here is the soul of a man

Time to speak with the shaman again
Conjure the jester again
Black dog in the ruins is calling my name
So here is the soul of a man


O que se seguiu dali em diante foi um misto de êxtase, emoção, suor e sangue - minha pele, descascada pelo sol das mais de sete horas de espera do lado de fora, começava a literalmente se esfarelar na muvuca da pista premium. Na tentativa quase heroica de segurar a mochila que trouxe de casa, meus dedos também davam sinais de esgotamento. Mas àquela altura nada importava, e meus olhos estavam voltados apenas para o palco.

Bruce Dickinson fazia questão de deixar claro a satisfação da banda em estar no Brasil. Citou outros shows históricos em território brasileiro, como o Rock in Rio 1985, primeira tour do Maiden por aqui, e Interlagos 2009, o maior público da história da Donzela (300 mil almas, dizem). Agradeceu o sucesso estrondoso e a receptividade do The Book of Souls, discoo de platina mesmo no segundo país de mais downloads ilegais no mundo. Aquilo foi intensamente gratificante. Provavelmente soa loucura pra quem vê de fora, mas o magnum opus da relação fã-ídolo é a reciprocidade - ver que aqueles caras que nunca te conhecerão, ou na melhor das hipóteses não num sentido mais íntimo, compartilham esse sentimento inenarrável da admiração, não por um ou dois fãs, mas por milhões em todo o mundo que tratam sua música como uma religião.

E num misto dos maiores clássicos da banda com as músicas de seu trabalho mais recente, aliadas à teatralidade que os membros da banda e o inconfundível mascote Eddie the Head (em suas diversas facetas) acrescentam ao espetáculo, o show transcorreu da melhor forma possível. Diversas pessoas que viram outros shows do Maiden me garantem que aquele foi o melhor show que já presenciaram. Eu, por mais suspeito que seja pra falar do sexteto, posso garantir que nunca vi e jamais verei nada como aquilo. Mesmo quem não gosta da banda deveria, num gesto de humildade, curvar-se diante dos mestres do heavy metal; não há nenhum evento no mundo que se compare àquela legião de 44 mil fanáticos, e tantos outros milhões espalhados mundo afora. 

Wherever you are, Iron Maiden gonna get you, no matter how far.

Pre-show: UFO - Doctor Doctor
  1. Intro/If Eternity Should Fail
  2. Speed of Light
  3. Children of the Damned
  4. Tears of a Clown
  5. The Red and the Black
  6. The Trooper
  7. Powerslave
  8. Death or Glory
  9. The Book of Souls
  10. Hallowed Be Thy Name
  11. Fear of the Dark
  12. Iron Maiden
Encore
  1. The Number of the Beast
  2. Blood Brothers
  3. Wasted Years
Post-show: Monty Python - Always Look on Bright Side of Life

domingo, 14 de fevereiro de 2016

ondas gravitacionais... e o kiko?

Não deve ser novidade para ninguém que cientistas do LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Waves Observatory, Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser) detectaram, simultaneamente nos estados americanos da Louisiana e de Washington (distantes 3000 km um do outro), ondas gravitacionais decorrentes da colisão de dois buracos negros planetários (pulsares) a 1,6 bilhão de anos-luz da Terra. As ondas gravitacionais foram previstas ainda no começo do século XX, pelos nomes que dariam origem ao estudo da Relatividade: os físicos Hendrik Lorentz e Albert Einstein. O próprio Einstein, que fundamentou praticamente todo o conhecimento relativo à Relatividade que temos hoje, afirmou ser impossível que ondas gravitacionais pudessem ser medidas empiricamente - o que significaria, do ponto de vista científico, que seríamos "indiferentes" a ela, por não podermos estudá-las sob o chamado "método científico". Felizmente, ele estava errado.

O que é a Relatividade?


A velocidade da luz é de oitenta mil léguas por segundo. Um raio luminoso da Via-Láctea gasta seis séculos para chegar até nós. De sorte que é bem possível que uma estrela, quando a observamos, já tenha desaparecido. Muitas são intermitentes, outras não voltam jamais; e mudam de posição; tudo se agita, tudo passa.
(trecho de Bouvard e Pécuchet, livro de Gustave Flaubert, lançado em 1881)
O matemático escocês James Clerk Maxwell reuniu, durante o início da década de 1860, quatro equações que tratavam da relação entre luz, eletricidade e magnetismo. As quatro equações de Maxwell deram origem ao estudo do eletromagnetismo, um dos quatro grandes campos que a Física dispõe atualmente para estudar a matéria chamada bariônica - que, basicamente, é tudo o que existe no Universo que é composto por prótons, nêutrons e elétrons. Durante as duas últimas décadas do século XIX, um grupo de físicos concluiu que, para observadores em velocidades distintas em relação a um evento eletromagnético, o mesmo poderia ser descrito de maneiras muito distintas. O físico holandês Hendrik Lorentz, presidente das famosas Conferências de Sauvay, teorizou que a radiação eletromagnética deveria haver um meio de propagação próprio, o chamado éter luminífero, que não interagia com absolutamente mais nada exceto o próprio espectro eletromagnético.

Em 1887, o experimento de Albert Michelson e Edward Morley, através de um interferômetro, pôs abaixo a teoria de Lorentz sobre o éter. Segundo os dados colhidos por Michelson e Morley em diferentes meses do ano, a propagação da luz parecia ser a mesma sob quaisquer circunstâncias. Concluíram que ou a Terra se mantinha estacionária em relação ao éter ou o mesmo não existia - a comunidade física, que àquela altura já não considerava nenhum referencial "privilegiado" (como eram a Terra e o Sol nos modelos geocêntrico e heliocêntrico, respectivamente), adotou a segunda alternativa. A Lorentz restou construir outra teoria, na qual não se interessava mais em como a radiação se propagava, mas no porquê de um mesmo fenômeno poder ser visto de maneiras distintas por dois observadores em referenciais distintos. Hoje conhecida como transformação (ou transformada) de Lorentz, a teoria concluiu que o tempo se dilata e o espaço se contrai de acordo com o coeficiente de Lorentz:
onde v é a velocidade do corpo analisado e c é a velocidade de propagação da luz no vácuo (aproximadamente 1.080.000 km/h).

Na prática, o coeficiente de Lorentz significava uma expansão da mecânica newtoniana. Para valores de v que sejam muito menores que c (ou seja, as velocidades com as quais lidamos cotidianamente), o coeficiente tende a 1, e a mecânica newtoniana continuaria reinando soberana. Para velocidades maiores, o valor do coeficiente cresce abruptamente, e a física proposta por Newton deixa de ser suficiente - Newton ignorou a dilatação do tempo nestes casos. Percebam que, quando v = c, o denominador da divisão se torna 0, e divisões por zero são uma indefinição matemática; da mesma forma, para v > c, a raiz do denominador assume valores negativos, outra indefinição matemática (no conjunto dos números reais).

E esse é o conceito básico da Teoria da Relatividade Restrita (TRR) em termos matemáticos. E onde entra Einstein nessa história? Nas duas grandes sacadas de mestre que tornaram a TRR uma das teorias mais poderosas de toda a Física: a invariância da velocidade da luz para quaisquer referenciais distintos; e a invariância das leis da Física para dois observadores em um mesmo referencial. (O nome original da TRR era "teoria dos invariantes"; o alemão Max Planck, pai da Mecânica Quântica, é que sugeriu a Einstein o nome "relatividade", para que se ressaltasse o caráter que molda a teoria: a Física continua a mesma, porém é relativa ao referencial da qual se observa um evento.)

— Pode existir um cubo instantâneo?
— Não percebo — disse Filby.
— Pode ter existência real um cubo que não dure por nenhum espaço de tempo? (...) Não há dúvida que todo corpo real deve estender-se por quatro dimensões: deve ter Comprimento, Largura, Altura e... Duração. Mas, por uma natural imperfeição da carne, somos inclinados a desprezar esse fato. Há realmente quatro dimensões, três das quais são chamadas os três planos do Espaço, e uma quarta, o Tempo. Existe, no entanto, uma tendência a estabelecer uma distinção irreal entre aquelas três dimensões e a última, porque acontece que nossa consciência se move descontinuamente numa só direção ao longo do Tempo, do princípio ao fim de nossas vidas.
(trecho de A Máquina do Tempo, livro de H. G. Wells, lançado em 1895) 

Em 1915, Einstein dá um "upgrade" na TRR: passa a considerar que o espaço e o tempo são uma mesma entidade, o espaço-tempo, e a gravidade, que Newton havia estabelecido como uma força de atração mútua entre dois objetos e proporcional às suas massas, é uma consequência da deformação que qualquer objeto massivo causa no espaço-tempo. Tal ideia abriu caminho para inúmeras contribuições de astrônomos e astrofísicos, e ainda hoje é o norte de quaisquer pesquisas sobre Relatividade. A expansão da TRR ganhou o nome que pôs Einstein, definitivamente, no Olimpo dos grandes nomes da ciência do século XX: Teoria da Relatividade Geral, ou TRG.

Existência dos buracos negros


Grandes massas causam grandes deformações no espaço-tempo... ok. E se tivermos uma massa muito grande contida em um volume bem reduzido, de forma que a velocidade de escape (isto é, a velocidade que um corpo necessitaria para vencer a gravidade dessa massa "compactada") seja igual ou superior à velocidade da luz? Foi a pergunta que Karl Schwarzschild se fez ao tomar conhecimento dos trabalhos de Einstein sobre a TRG. Objetos tão massivos foram denominados posteriormente buracos negros, por sua principal característica: em sua "órbita" (o chamado horizonte de eventos), é impossível observar diretamente um buraco negro, já que ele não reflete o espectro eletromagnético - pelo contrário: todo o espectro que chega ao horizonte de eventos é "sugado" para o ponto infinitesimal, chamado singularidade, que causa tamanha distorção.

Schwarzschild faleceu em 1916, e teve pouco tempo para desenvolver seus escritos na TRG. Só meio século depois, na década de 1970, é que os buracos negros voltaram a ganhar notoriedade, com os trabalhos do britânico Stephen Hawking. Entre várias contribuições de Hawking à teoria dos buracos negros, a mais notória é a chamada radiação Hawking, que ocorre devido às flutuações quânticas de vácuo, que por sua vez é um subproduto do Princípio da Incerteza, descrito por Werner Heisemberg ainda na década de 1920. Resumidamente, o que conhecemos como vácuo é um par de partículas matéria-antimatéria que, quando atinge seu estado fundamental, se divide. Eventualmente, a divisão pode ocorrer na borda do horizonte de eventos do buraco negro, que "engole" a partícula de energia negativa (antimatéria) e expele a partícula de energia positiva (matéria), já que o próprio buraco negro tem energia positiva. A radiação Hawking era considerada a principal ligação entre a Mecânica Quântica e a Relatividade, no desafio que tem sido o Santo Graal da Física contemporânea.

Ondas gravitacionais


Era. O anúncio da descoberta das ondas gravitacionais na última quinta-feira abriu um leque gigante de possibilidades na TRG. Além disso, explicou uma série de problemas em aberto propostos por Einstein ainda nos primeiros anos do século XX.

Existência das ondas gravitacionais: a própria descoberta das ondas gravitacionais é um evento extraordinário. Uma onda gravitacional se forma quando um corpo se move pelo tecido do espaço-tempo; no entanto, essa onda é extremamente curta, tão curta que só foi possível sua detecção pela grandeza do evento ocorrido. Para se ter uma ideia, os dois buracos negros que formaram as ondas gravitacionais detectadas pelo LIGO eram 29 e 36 vezes mais pesados que nosso sol, e sua fusão resultou em um buraco negro de 62 massas solares - isto é, 3 massas solares foram literalmente expelidas em forma de ondas de gravidade. Mesmo assim, o sinal captado pelo LIGO tinha um milésimo do diâmetro de um próton - algo como 0,000000000000000002 metros. Dá pra imaginar o porquê de Einstein ter imaginado que nunca as detectaríamos.

Existência dos buracos negros: parece incrível, mas não tínhamos nenhuma prova empírica da existência dos buracos negros - como dito acima, um horizonte de eventos é invisível, já que não emite nenhuma radiação. Conforme a técnica para detecção de ondas gravitacionais for sendo aprimorada, não precisaremos nos desesperar pela impossibilidade de ver os buracos negros; agora, podemos "ouvi-los".

Um elo entre a Mecânica Quântica e a Relatividade: a Mecânica Quântica reina no mundo micro, subatômico. A Relatividade é a Física do mundo macro, de planetas e suas luas até todo o Universo. Achar pontos de ligação entre esses dois reinos é a chave da construção do que muitos chamam de Teoria do Tudo. E depois da radiação Hawking, as ondas gravitacionais são mais uma evidência de que, mesmo em eventos de dimensões colossais, o mundo subatômico é de suma importância para o conhecimento de... "tudo".

Uma possível explicação para a matéria não-bariônica: citei também que as quatro grandes áreas da Física (a saber, além do eletromagnetismo e da gravidade existem também as forças nuclear forte e nuclear fraca, que só agem a nível subatômico) só interagem com a matéria bariônica, isto é, a matéria que contém prótons, nêutrons e elétrons. No entanto, isso é muito pouco: na verdade, estima-se que algo entre 4 e 5% do Universo seja matéria bariônica. O restante é composto pela energia escura (é uma energia misteriosa que não fazemos ideia da origem, mas imagina-se que seja a responsável pela expansão do Universo) e matéria escura. Matéria escura são pontos de gravidade, detectáveis já há algum tempo, mas que não se têm a menor ideia do que são de fato, tal como a energia escura. E já que agora somos capazes de detectar estes pontos por mais uma técnica, pode ser que surjam novas teorias de como a matéria escura se comporta. Há a possibilidade de que nosso Universo tenha quatro dimensões espaciais e nós consigamos detectar apenas três, o que significaria que a aceleração do Universo hoje atribuído à energia escura possa ter essa origem - mas poderíamos detectar os vestígios dessa quarta dimensão espacial pelos ruídos gravitacionais que ela emite.

As possibilidades são inúmeras. Há quem já fale em viagens espaciais, temporais e até interdimensionais conforme a tecnologia necessária para dominarmos a gravidade finalmente for sendo desenvolvida. Abre-se a porta para que a humanidade dê um passo consistente rumo à origem de tudo, uma das perguntas mais inquietantes de nossa Filosofia. Quem viver, verá.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

do brasil e do porquê este país não pensa em ciência

Estava conversando ontem com um amigo e refletindo (pela enésima vez) o quão desmotivador é pensar em ciência no Brasil. Adianto desde já que esse post vai soar, como muitos outros que já postei via Facebook, arrogante, narcisista e utópico. E é tudo mesmo. Adianto ainda que esse post tem um caráter mais pessoal que os demais posts do blog - peço desculpas por isso, mas creio que precisava ressuscitar este espaço. Enfim... vamos lá.

Falando especificamente de Matemática, área que amo e sempre amei, historicamente há três grandes escolas onde algo como 90% de tudo que é Matemática "básica" (entenda-se "o que eu sei que existe, embora muitas vezes não faça ideia do que seja") saiu: Inglaterra, Alemanha e França. Estados Unidos e  Japão também têm vertentes muito fortes, mas geralmente isso se dá por terem trazido profissionais brilhantes de outros países que incentivaram o estudo da disciplina e não por algo, digamos, "nato" do país em questão. Focarei nos três países europeus então.

Quando você entra no curso de graduação (comigo foi assim e com muitos dos meus colegas tenho certeza que também foi), você entra com planos surreais, de querer ter ao menos um pedacinho da grandiosa história da disciplina associada ao seu nome. Afinal, somos mortais, mas nosso nome é eterno. E pra isso você precisa buscar motivação. No Brasil, se busca motivação de onde?

Um ponto relevante é o tal "abrir a porta". Citei Inglaterra, Alemanha e França como exemplos de terras onde matemáticos brilhantes nasceram em diversos pontos da história... um inglês, um alemão ou um francês recém ingressos num curso de Matemática podem entrar numa Cambridge, numa Göttingen ou numa ENS Paris e andarem pelos mesmos corredores que Newton, Gauss e Galois (respectivamente) andaram. Um brasileiro com o mínimo possível de pretensão teria uma porta gigantesca pra abrir - embora tenhamos nomes como Ubiratan D'Ambrósio na Etnomatemática e o recém laureado com a medalha Fields Arthur Ávila, são nomes ainda escassos.

Outro ponto relevante é a estrutura das universidades brasileiras. Posso estar comprando briga com muita gente por isso (não é minha intenção, é apenas minha opinião), mas a universidade pública não precisa ser caminho de passagem pra todos, muito menos pra uma parcela supostamente prejudicada no sistema de vestibular; tem é que formar excelentes profissionais do mais alto nível - e se isso puder se associar com esse igualitarismo, melhor ainda. Números são números, no fim das contas. Não importa se você forma 20 mil ou 20 milhões de graduados por ano, o que os livros de história registram são nomes como Newton, Gauss e Galois. Mas mais do que esse elitismo, o governo brasileiro precisa efetivamente investir em educação, e não maquiar toneladas de dinheiro gastas em programas faraônicos que não dão nenhum retorno - que não o político, que lhe ajudará a garantir uma reeleição, ciclo ao qual estamos submetidos desde a redemocratização do país, infelizmente.

Finalmente, atento para o ponto cultural. Brasileiro tem um hábito terrível: o de se sentir inferior e de desmotivar os poucos que pensam diferente. (O brasileiro na verdade tem o hábito de pensar demais na vida alheia, mas essa é uma outra história...) Há uma charge interessante que já vi algumas vezes pela internet: se ninguém fez alguma coisa, seja ela qual seja, o brasileiro médio costuma pensar "se ninguém fez, por que eu o faria?"; outras culturas (a charge cita a oriental) costumam pensar "se ninguém fez, talvez eu possa". Ambição é fundamental; o brilho nos olhos é fundamental. Prevejo gente que leia esse texto e pense "esse cara de novo pensando que ele é algo muito além do que eu sou"... e de fato, não sou (não me considero assim ao menos). O perigo é considerar que ninguém seja assim. O perigo está em pensarmos que não haja um Newton, um Gauss ou um Galois que seja nosso amigo, nosso vizinho, quem sabe até nosso parente, e a gente nunca deu a devida motivação para que ele pudesse crescer, transpor seus sonhos em realidade.

A chave para a mudança não é assim tão utópica. Difícil? Sem dúvidas. Mas começa por você. Abra sua mente e pare de pensar que você não é capaz. Se você não é, quem o seria?

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

espiral do silêncio, memética e o pensamento coletivo

"O homem é um ser social". Aristóteles não poderia estar mais certo ao postular tal frase: o ser humano sente-se na necessidade, quase tão vital quanto os batimentos cardíacos ou a respiração, de encontrar-se em um meio no qual seja aceito segundo sua linha de pensamento. Obviamente, há exceções, e os casos de misantropia estão aí para provar. Mas para todo o restante da população mundial, viver em comunidade é um ato de sobrevivência. No entanto, a sociedade reprime, marginaliza e, em casos mais severos, oprime violentamente ideias e gostos que vão contra a maioria, e alguns destes grupos excluídos, satisfazendo seu desejo de interação, passam a adequar-se, em alguns casos quase que involuntariamente, à cultura do opressor.

A psicóloga alemã Elizabeth Noelle-Neumann propôs a teoria da Espiral do Silêncio em meados de 1975 para compreender tal comportamento. As eleições em território alemão compreendidas entre 1965 e 1972 foram minuciosamente analisadas por Noelle-Neumann. O que ela notou é que as campanhas eleitorais e sua respectiva divulgação influenciavam boa parte da população a mudar de ideia. Adeptos e simpatizantes das propostas de um dado candidato muitas vezes mudavam de ideologia, buscando aproximar-se de opiniões que eles julgassem dominantes. O que Noelle-Neumann propôs com tal teoria, a rigor, é que as pessoas que têm um ponto de vista minoritário em relação a outros pontos de vista majoritários tendem a calar-se ou cair no conformismo, perante a opinião pública geral. Em outras palavras, tais pessoas tendem a ficar silenciados e a conciliar suas opiniões com as do público.

Muitos de vocês talvez já tenham encarado, e provavelmente ainda encaram, situações desse tipo. O pensamento coletivo prolifera-se na sociedade, enfaticamente na sociedade brasileira, como um vírus. É praticamente consenso entre os psicólogos que estudam a Espiral do Silêncio: são os jovens os mais influenciáveis, haja visto que suas opiniões não são tão dependentes quanto as de uma criança nem tão consolidadas quanto de um adulto. E grande parte desse fenômeno intrigante tem um fator que pode ser caracterizado como o principal: a mídia. Os meios de comunicação atuais disseminam de tal forma certos modos, sejam eles modos de se vestir, de falar ou de ouvir música, que a sociedade como um todo acaba se inserindo nessa realidade, digamos, alheia a ela própria. Se preferir chamar assim, "modinha". Outros fatores que têm influenciado bastante o pensamento coletivo a uma homogeneidade são as redes sociais, que crescem em seu uso de forma vertiginosa desde o início do século. A interação através das redes sociais têm tornado certos tipos adeptos de modos semelhantes de vestir, falar e agir - mas, principalmente, interagir.

O biólogo evolutivo e geneticista Richard Dawkins, em seu best-seller O Gene Egoísta, introduz o estudo da memética - em síntese, um meme é qualquer ideia difundida entre dois ou mais indivíduos que, de certa forma, replica suas respectivas formas de pensar e as aproximam. Dawkins, famoso por seu ateísmo fervoroso, define os memes como uma unidade de informação cerebral, tal qual um gene é uma unidade de informação genética; a diferença básica é que, enquanto os genes se replicam através da reprodução sexuada, os memes (do grego μιμἐομαι, "imitar") se replicam pela disseminação de ideias entre os indivíduos. (Não confundir com os famosos memes da internet - que, aliás, são tipos de memes segundo o conceito de Dawkins.)

Os trabalhos de Noelle-Neumann e Dawkins são apenas alguns dos trabalhos na área de psicologia social que podem ser aplicados a uma escala macro. Burrhus F. Skinner, em sua teoria behaviorista do início do século XX, já havia proposto que o cérebro associa o sistema de recompensa a estímulos externos recorrentes. Talvez a Espiral do Silêncio e a Memética corroborem com a ideia de que a sociedade age como um grande cérebro escravo do behaviorismo: estímulos externos agem primeiro sobre a sociedade, por si só, e esta por sua vez influencia cada um de seus indivíduos através dos memes - como uma grande teia, onde todos os pontos estão interligados entre si de forma tão estrita que o movimento de um só desses pontos pode influenciar o comportamento de toda a rede.

domingo, 2 de junho de 2013

yes em são paulo - 23/05/2013

O Yes consolidou-se ao longo dos anos como uma das gigantes do gênero que se convém chamar de rock progressivo. Ao lado de Pink Floyd e King Crimson, foi provavelmente a primeira banda a compor seguindo o modelo prog em seu debut de 1969, self-titled. No mês de maio, o Yes fez sua turnê pela América do Sul: começou por Lima, no Peru (16), passou por Brasília (19), Curitiba (21), São Paulo (23 e 24), Rio de Janeiro (25), Porto Alegre (26), Santiago, no Chile (28) e, finalmente, Buenos Aires, Argentina (30). A tour é a Three Album Tour, na qual o Yes toca três de seus maiores clássicos na íntegra: The Yes Album (1971), Close to the Edge (1972) e Going for the One (1977).

A formação atual conta com os veteranos Chris Squire, no baixo e na gaita (o único membro a tocar em todos os registros de estúdio da banda), Steve Howe, na guitarra, slide guitar e violão (o único além de Squire a estar em todos os três registros no estúdio), Alan White, na bateria e percussão, e Geoff Downes no teclado, órgão e piano. O vocalista é o multi-instrumentista Jon Davison que, além de xará do lendário Jon Anderson, tem um timbre de voz impressionantemente semelhante a este último - os membros do Yes o conheceram através de sua banda cover do próprio Yes, chamado Roundabout, e o convidaram para substituir o canadense Benoît David.

O show de abertura para aquele que foi o primeiro show do Yes em São Paulo, no dia 23, foi da banda curitibana de rock prog Seven Side Diamond. A banda é uma grata surpresa para quem, como eu, imaginava que não haveriam bandas progressivas no Brasil com a qualidade do prog estrangeiro. O show, apesar de curto, animou bastante a plateia, e os músicos foram extremamente receptivos e simpáticos após o fim de sua apresentação.

Depois de um intervalo de aproximadamente meia hora, começa a tocar a peça de Igor Stravinsky, The Firebird Suite, com o telão mostrando uma sequência de imagens referentes aos álbuns que seriam executados e, obviamente, imagens da própria banda. Começava ali o show do Yes: a banda entra no palco, faz uma breve saudação ao público e executa a primeira e mais longa música do setlist: Close to the Edge, faixa de abertura do disco homônimo. Há de se destacar aqui o trabalho vocal impecável de Jon Davison, acompanhado dos backing vocals de Chris Squire e Steve Howe. Segue-se o disco tocado na íntegra, com a lindíssima And You and I e seus quase 11 minutos de duração. Para fechar o primeiro disco da noite, a animada e virtuosa Siberian Khatru. Os primeiros quarenta minutos do espetáculo haviam se passado como se fossem cinco. Davison saúda a plateia com um português impecável, longe dos tradicionais "obrigado" e "boa noite" que a maioria das bandas traz às terras tupiniquins.

As luzes voltam sob a introdução nas guitarras de Howe da faixa-título do segundo disco a ser executado na noite: Going for the One é uma música bem menos bucólica que as melodias do disco anterior e com certeza foi um dos pontos altos do show. O clima é novamente quebrado com a excepcional Turn of the Century, com uma letra fantástica e pautada sobre a excelente interpretação de Davison; ninguém naquela noite sentiu-se saudoso aos anos de Jon Anderson no Yes. A introdução de teclado de Downes dá início a Parallels, uma música que se caracteriza pelo baixo marcante de Squire, sempre cirúrgico em sua performance. Segue-se a ela a belíssima Wonderous Stories, mais uma vez marcada pelos vocais de Davison (que pela primeira vez no show assume também os violões). Fechando o segundo disco da noite, a música que o ex-tecladista da banda, Rick Wakeman, traduziu como uma de suas composições mais belas: Awaken é uma música impactante, com um toque angelical particularmente seu, certamente um dos momentos mais inspirados da discografia do Yes. O segundo disco fecha-se, mais uma vez, com os cumprimentos de Davison à plateia, sempre em português, e com a apresentação da banda por Steve Howe.

As batidas secas na caixa da bateria de White (baterista que integrou a banda na turnê do Close to the Edge, em 1972, e está na banda desde então) indicam que é dado início à primeira música do terceiro disco da noite: Yours is no Disgrace, do The Yes Album, uma faixa de letra e instrumental equivalentemente envolventes. Howe apronta seu violão; é dada a hora de seu número solo, Clap, acompanhado pelas palmas de uma plateia extremamente entusiasmada. O show segue com duas das músicas mais icônicas da banda: Starship Trooper, uma suíte de três partes caracterizada por dois solos de Steve Howe (Desillusion e Würm), e I've Seen All Good People, a primeira música do Yes a atingir as rádios de forma mais expressiva. A Venture, a quinta faixa do disco, é acompanhada pelo baixo sempre preciso do icônico Rickenbacker de Squire; finalmente, a belíssima Perpetual Change vem para terminar com os três discos que a banda se propôs a fazer. A banda faz uma breve referência à plateia e retira-se para um intervalo de aproximadamente cinco minutos.

Àquela altura da noite, estávamos todos de pé; a primeira e única música do encore seria o single de maior sucesso da banda, ao menos durante a década de 1970. Claro que estamos falando de Roundabout, a primeira faixa do multi premiado Fragile, de 1971. Em uníssono, a plateia cantou o refrão daquela que é a faixa mais expressiva do Yes no progressivo. Uma nova reverência à plateia para fechar o show e a banda se retira pela última vez aos backstages.

O show do Yes em São Paulo foi uma das maiores demonstrações de que o rock progressivo, diferentemente do que apontam os não-fãs do estilo, está bem longe de ser "chato" ou "sonolento". O público, composto majoritariamente por pessoas na faixa dos 40-60 anos, acompanhou o show entusiasmado em toda a sua duração, que excedeu em pouco as três horas. Parece consenso, entre eu e os amigos ali presentes, que presenciamos um dos melhores shows das nossas vidas - quiçá, o melhor. Um espetáculo recomendado para todas as idades, para pessoas de todos os gostos.

Setlist - HSBC Brasil, São Paulo, São Paulo, Brasil (23/05/2011)

Intro: The Firebird Suite (Igor Stravinsky)

Close to the Edge (1972)
1- Close to the Edge

  • I: The Solid Time of Change
  • II: Total Mass Retain
  • III: I Get Up, I Get Down
  • IV: Seasons of Man

2- And You and I

  • I: Cord of Life
  • II: Eclipse
  • III: The Preacher the Teacher
  • IV: Apocalypse

3- Siberian Khatru

Going for the One (1977)
4- Going for the One
5- Turn of the Century
6- Parallels
7- Wonderous Stories
8- Awaken

The Yes Album (1971)
9- Yours is no Disgrace
10- Clap
11- Starship Trooper

  • I: Life Seeker
  • II: Disillusion
  • III: Würm
12- I've Seen All Good People
  • I: Your Move
  • II: All the Good People
13- A Venture
14- Perpetual Change

Encore:

15- Roundabout (Fragile, 1971)

quinta-feira, 14 de março de 2013

rush - 2112 (1976)

Primeiramente: a todos os amigos do blog, meu mais sincero pedido de desculpas. O tempo anda bem corrido ultimamente, e escrever por aqui tem sido impossível. Alguns posts estão bem encaminhados, e futuramente serão postados aqui. Infelizmente, não conseguimos mais dar conta dos uploads dos discos; portanto, resumiremo-nos apenas às resenhas. Na primeira resenha de 2013, um disco muito especial pra mim, que ouvi exaustivamente nesse tempo de ausência do blog.



Rush em 1975, da esquerda pra direita: Alex Lifeson (guitarra), Neil Peart (bateria) e Geddy Lee (baixo/vocal)
Na segunda metade da década de 1970, o rock progressivo já havia se consolidado enquanto estilo, dentro do que já havia sido feito por outras bandas na década de 1960. Discos como Dark Side of the Moon (Pink Floyd, 1973), Close to the Edge (Yes, 1972), Moving Waves (Focus, 1972) e Aqualung (Jethro Tull, 1971), entre outros, tornaram-se verdadeiros clássicos do prog - ainda hoje são aclamados como alguns dos melhores lançamentos de todos os tempos. O que percebe-se, olhando no panorama musical atual, é que os lançamentos proggers da década de 1970 se resumiam, basicamente, à Europa: não havia nenhum grande expoente do estilo na América, onde à época ganhava força a cena hard rocker, com bandas como Kiss e Aerosmith embalando seus sucessos nas rádios norte-americanas.

Em Cleveland, Ohio, e nos arredores da cidade, começava a ganhar força a música de um power trio de Toronto, no Canadá. O Rush, que a princípio era uma banda basicamente blues, lançou seu disco debut em 1974, sem apoio de nenhuma gravadora (todas as gravadoras canadenses recusaram-se a financiar o disco). Se em seu país de origem o lançamento não foi tão bem recebido, o Rush fez um verdadeiro estardalhaço do outro lado dos Grandes Lagos, com uma turnê americana que rodou mais de 17 mil quilômetros em um carro alugado pelo trio - composto por Geddy Lee (baixo e vocal), Alex Lifeson (guitarra) e Neil Peart (bateria - Peart assumiu as baquetas dois meses depois do lançamento do disco, que fora gravado por John Rutsey).

Peart, um baterista apaixonado pelo jazz nova iorquino, deu ao Rush uma nova sonoridade, bem mais complexa que o blues trazido por Lee e Lifeson. O disco Fly by Night, de 1975, reflete bastante a drástica mudança na sonoridade do Rush, com quebras de tempo vigorosas e um maior apelo à parte lírica das composições, pelas quais Neil se tornou responsável (e o é ainda hoje). Ainda em 1975, o terceiro disco do Rush, Caress of Steel, foi lançado - dessa vez o disco não foi bem aclamado, por ser ainda mais arrojado que o anterior, incluindo duas suites (The Necromancer, de 12 minutos e 30 segundos, divididos em três partes, e The Fountain of Lamneth, de 19 minutos e 59 segundos, divididos em seis partes). Caress of Steel foi um verdadeiro fracasso comercial, e por muito pouco o Rush não perde seu contrato com a Mercury. Tal fracasso deixou os integrantes furiosos. "Por causa de todas essas pessoas colocando pressão em nós, começamos a olhar a nós mesmos pelos nosso próprios olhos. Sabíamos exatamente que direção deveríamos tomar, e nos pautamos em fazer sucesso em nossos próprios termos", disse Geddy Lee em entrevista.

O quarto disco do Rush veio como resposta - e que resposta! - a todos esses fatores. 2112 (pronuncia-se "twenty-one twelve", ou "vinte-e-um doze") foi lançado em 1976 e acabou se tornando um dos maiores clássicos da banda, seguindo a fórmula já adotada em Caress of Steel, tornando-se o maior sucesso comercial da banda até então e, obviamente, calando a boca de sua gravadora. Atualmente, é um dos dois discos do Rush a compor o famoso livro 1001 Albums You Must Hear Before You Die ("1001 discos que você precisa ouvir antes de morrer", em tradução literal) e é o único a constar na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.

Capa de 2112 (1976)
O disco é dividido em duas partes. Na primeira, a faixa-título (a maior música já composta pelo Rush, com colossais 20 minutos e 34 segundos), a banda cria uma espécie de disco conceitual embutido dentro do disco, como um todo. A história trata de uma ficcional civilização futura - em 2062, uma guerra entre os planetas da galáxia resultou na união completa de suas civilizações, que ficou sob o comando da Red Star Solar Federation. No ano de 2112, os tutores da vida na Terra são os padres dos Templos de Syrinx, e está na mão destes padres o controle de tudo que ocorre no planeta - música, pintura, arquitetura, tudo é regido segundo as regras dos Templos.

Um dia, um homem encontra um violão escondido sob uma cachoeira. Abismado com sua fantástica descoberta, o personagem aprende sozinho a tocá-lo e, empolgado, leva-o até os chefes do Templo para anunciá-los. Diferentemente da recepção calorosa que esperava, os padres de Syrinx reprimem violentamente sua música: "Another toy that helped destroy the elder race of men/Forget about your silly whim, it doesn't hit the plan". Desolado, o homem volta pra casa e começa a refletir sobre tudo aquilo.

Eis que pega no sono. Em seus sonhos, ele faz uma viagem astral, guiada por um oráculo, que mostra todos os avanços que a humanidade fizera em outros tempos: homens propensos a falhas, mas com uma imensa sede de curiosidade e prazer pela descoberta. Devido à administração da Red Star e dos padres de Syrinx, a "raça anciã" deixou o planeta para continuar com seus avanços à parte de toda repressão. Subitamente, o homem acorda e começa a maravilhar-se diante de todas as possibilidades que aquela civilização poderia trazer à raça que agora habita a Terra: "Just think of what my life might be/In a world like I have seen/I don't think I can carry on/Carry on this cold and empty life".

Em circunstâncias não detalhadas no enredo da obra, a raça humana retorna ao planeta e, depois de uma intensa batalha, retoma o controle da Terra e expulsa os padres e toda a administração dos Templos. Eis que a primeira parte se fecha, com a voz de Geddy Lee e os dizeres "Attention all the planets of the Solar Federation, we have assumed control" em looping.

Essa primeira parte do disco é uma crítica, ainda que metafórica, à indústria fonográfica vigente. Os barões da indústria, representados aqui pelos padres, tomaram o controle de toda forma artística (em particular, a música) e comercializam-na como se fossem seus donos, impondo limites aos artistas e não os permitindo expressar livremente sua arte. Sob um âmbito atual, quase 40 anos após o lançamento do disco, a indústria encontra-se tão engessada em termos de liberdade artística, sendo tão raro encontrar artistas e composições ímpares, que praticamente vivemos em uma sociedade como a da Red Star. Fica a reflexão: será que um dia seremos libertos dessa condição?

A segunda parte de 2112 (o disco) tem músicas sem um contexto específico. À exceção de Tears, composta exclusivamente por Geddy, e Lessons, composta por Alex, são todas compostas em conjunto por Lee, Lifeson (melodia) e Peart (letra). A Passage to Bangkok é uma música típica do estilo que o Rush trazia consigo desde a inserção de Neil na banda, no Fly by Night; bem como The Twilight Zone, que foi composta e gravada no mesmo dia, enquanto a banda estava trancada na gravação do disco.

Lessons é uma espécie de reflexão auto-biográfica de Alex Lifeson. A letra fala sobre o aprendizado que cada um de nós adquire conforme ganhamos experiência de vida, e o quanto tempos ruins podem transformar-se em lembranças reconfortantes em tempos futuros. Em Tears, Geddy Lee disserta sobre o amor e a eterna montanha-russa emocional que um casal enfrenta em uma vida a dois: "Would it touch you deeper/Than tears that fall from eyes/That know why?".

Starman, "mascote" do Rush
surgido em 2112
Something for Nothing, a última das seis faixas de 2112, foi composta por Neil Peart, e foi baseada na vida de constantes viagens em turnê. Segundo o próprio: "Durante a década de 1970, a banda estava indo em direção a um show na periferia de Los Angeles, no Shrine Auditorium, e eu reparei em uma pichação sob uma placa: 'a liberdade não é livre'. Adaptei tal frase para a faixa que fecha o 2112, Something for Nothing".

A capa do disco tornou-se, ela própria, um clássico da banda. O Starman (que, de certa forma, virou uma espécie de "mascote" do Rush), segundo Peart, representa o homem livre que não se importa com as massas - ou, metaforicamente, o personagem principal narrado em 2112; a estrela vermelha, que representa o logo da Red Star Solar Federation na faixa-título, diz respeito ao senso comum ou, nas palavras de Neil, à "mentalidade coletiva". O Starman está nu em alusão à sua pureza, livre de tradições coletivas ou acordos sociais tais qual o modo de se vestir.

Segundo Lifeson, "2112 foi o primeiro disco no qual o Rush soou como o Rush". Não sei, enquanto um mero ouvinte, até que ponto Alex levou sua frase (certamente impactante) como algo realmente sério. O fato é que 2112 soa como uma obra atual mesmo depois de tanto tempo de seu lançamento, e o impacto causado na sociedade da época com um tema tão complexo deve ter sido mesmo assustador - ainda hoje tal tema faz brilhar os olhos deste que vos escreve. Um disco realmente encantador, com uma temática genial e, alheio a tudo e a todos, comercialmente bem sucedido - somente com a venda nos EUA, conseguiu platina tripla. Sendo ou não o primeiro do "gênero", 2112 é, de fato, tipicamente Rush.

Track List

1. 2112
2. A Passage to Bangkok
3. The Twilight Zone
4. Lessons
5. Tears
6. Something for Nothing

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

o cancro das redes sociais - ou "a arte da zoeira"

O "orkutizar" está amplamente difundido pela rede mundial de computadores, nossa querida internet. O termo - referente, obviamente, ao finado (ou quase) orkut - diz respeito aos usuários que comportam-se como "posers" (outro termo recente, aliás) de certos modos ou coisas que estão em tendência, ou ainda a alguns comportamentos infantis. Entender a "orkutização" da grande rede não é algo assim tão trivial; na verdade, é um processo que vem se arrastando há um tempo muito, muito longo.

Voltemos alguns anos na história. Em meados de 1991, o programador inglês Tim Berners-Lee criou o primeiro site da história, o info.cern.ch. A World Wide Web como a conhecemos atualmente, projetada sobre a ideia dos protocolos de transferência de hipertexto (HTTP) e de controle de transmissão (TCP), assim como o Sistema de Nome de Domínios (DNS), foi inspirada pela ARPANet, criada no fim da década de 1960 para fins militares.

Desde que foi criada, a internet tem sofrido uma expansão espantadora. No Brasil, tal expansão começou com o barateamento dos modens, ainda na metade da década de 1990. No final da década, navegadores como Opera, Netscape Navigator e Internet Explorer já haviam se tornado populares, e a rede já contava com diversos domínios de sites.

A febre chamada internet alcançou níveis extraordinários quando as chamadas redes sociais chegaram à web. A pioneira foi criada em janeiro de 2004 por um estudante da Stanford University, um turco chamado Orkut Büyükkökten, que batizou a rede com seu próprio nome. Com usuários que se polarizaram principalmente no Brasil e na Índia, o orkut em seu ápice chegou a ser o segundo site mais acessado na web brasileira, perdendo apenas para o buscador Google, e estando sempre entre os 50 sites mais acessados no mundo, segundo o Alexa (serviço da Amazon que mede quantos usuários visitam um site da web). Outras redes sociais viraram rapidamente verdadeiros sucessos pela rede mundial de computadores - destaco aqui o Twitter, criado em 2007, e o Facebook, criado em 2004, assim como o orkut.

A juventude, que se via desinteressada do acesso à web, exceto por sites de pesquisas escolares (onde a Wikipedia reinava soberana - e provavelmente ainda reina), logo viu-se imersa no mundo digital através da necessidade de interação com outras pessoas de todo o mundo. O compartilhamento de informações e de arquivos tomou dimensões nunca antes imaginadas na história da humanidade. Pela primeira vez na história, o mundo estava distante entre si apenas por um clique. Pessoas distantes por milhares de quilômetros e que desperdiçavam dias, meses, anos se comunicando através de cartas poderiam, finalmente, conversar em tempo real, inclusive fazendo streaming de áudio e vídeo.

O sonho de troca de informações de forma ilimitada havia se tornado realidade. Isso teve consequências, obviamente, excelentes - e, tão obviamente quanto, desastrosas. Se, por um lado, pessoas que rotineiramente nunca teriam a chance de se conhecer podem se falar diariamente, por outro lado a troca intensa de conteúdo fútil cresceu a níveis estratosféricos. Nessa segunda década do século XXI, pode-se dizer que é muito mais difícil encontrar conteúdo de qualidade ou com embasamento filosófico-científico do que bobagens cotidianas, que antes eram reduzidas aos grupos de fofocas.

Os grupos de fofocas, agora, ganharam uma nova versão. E um novo nome: panelinhas. Grupos de usuários que se unem para ridicularizar uns aos outros; por vezes até ocorre de ser uma brincadeira sadia, mas o mais comum é que não o seja. Afinal, a "zoeira" (palavra antiga, mas que voltou com força total - e novos sinônimos) não pode parar. Prega-se que a "zoeira" não tem limites, mas a verdade é que toda panelinha já se ofendeu com panelinhas adversárias - perceba o leitor a unilateralidade e, acima de tudo, a infantilidade da coisa.

Se me permitem conjecturar, a principal causa da "orkutização" nos meios dos cabeamentos de fibra ótica da rede respeita à terceira lei de Newton, a famosa "ação-e-reação": o follow e o followback. O "follow" é o ato de seguir alguém em uma dada rede social; o "followback", o ato de seguir de volta, quase sempre é uma "retribuição" ao follow. É através dos laços de amizade nas redes que se criam as panelinhas; inimizades surgem entre um membro e outro da mesma rodinha e PAFT!, a panela racha e vira duas. Repita o mesmo procedimento várias e várias vezes e tem-se o "mimimi" que tornaram-se os meios de comunicação via internet atuais.

Qual o futuro das redes sociais? Ninguém sabe. Mas, pelo bem da humanidade, que seja ele bem diferente do presente.